I

22:47

   O castelo de cartas voltou a cair. Nos últimos tempos não se aguentou nenhum. Há minha volta paredes brancas e mobílias brancas cobrem o espaço. Rio com ironia da cor do meu exterior, quando o meu interior é de um cinzento contraste que não vai embora. O branco deve ter sido ideia da minha mãe. É típico dela pensar que me consegue consertar com pormenores, já devia saber melhor. Já não tenho arranjo. Estou fechada neste quarto, há tanto tempo que nem me lembro. Talvez me lembre mas já não consigo distinguir quais das minhas memórias são verdadeiras ou fruto da minha imaginação. Construo de novo o castelo mas este volta a cair.


   -Olívia.


   Uma voz chama-me e sobressaltada destruo o castelo que desesperadamente tentava reconstruir. Mas aquela voz é-me familiar apesar de não a reconhecer. Aquela voz… A voz provoca-me arrepios no corpo, como se este tivesse percebido quem era antes da minha consciência. Aquela voz… Sem pensar muito mais já sei que é a voz que me invade o sono à noite. Aquela doce voz que nunca mais pensei voltar a ouvir. 


   Levanto-me da cadeira e viro-me para o abraçar, mas de olhos fechados. Não quero encará-lo, pelo menos não ainda. Abraço-o como se estivesse a pedir desculpa e a exigir-lhe respostas ao mesmo tempo, pois não o consigo encarar para nenhuma das coisas. Ele hesita mas acaba por me envolver nos seus abraços e as desculpas ficam por pedir e as perguntas são esquecidas ali. Qual seja a razão do seu desaparecimento durante todo este tempo não importa agora. Nada importa quando estou nos seus braços e uma sensação de esperança começa a querer despoletar em mim. Afasto-me e, finalmente, olho-o nos olhos


   Tinham passado dois anos desde a última vez que o tinha visto. Ao longe podia ver que o tempo fora brando com ele. Ao longe parecia que o tempo não tinha envelhecido nenhum de nós. Ao longe tudo estava perfeito e sem quaisquer alterações. De perto, a história era completamente diferente.


   Lembro-me da última vez que falámos antes de tudo isto. Naquela noite liguei-lhe. Pedi-lhe, implorei-lhe, que viesse ter comigo. Eu precisava dele perto de mim, precisava do seu abraço, do seu sorriso... Quando cheguei ao parque sentei-me na relva molhada da humidade da noite, senti as lágrimas a escorrerem-me pela cara e apressei-me a limpá-las. Não queria que ele as visse, que me tomasse por fraca.


   -Então o que é assim tão urgente para me levantar da cama às três da manhã?


   Virei-me e lá estava ele, iluminado pelas luzes da rua com um sorriso na cara. Levantei-me e abracei-o e aí não consegui conter as lágrimas. Por muito que eu me esforçasse para o manter, ele derrubava todas as minhas fortalezas só com um olhar. Ele não disse nada, sentou-se no chão, simplesmente, fazendo-me sentar a seu lado à espera de algo que eu lhe pudesse dar. 


   Quem me dera que ele soubesse o quanto eu desejei ter-lhe explicado que não lhe sei dizer o que sinto, o que se passa, o que penso. Que não sei dizer o quão triste realmente estou, o quanto tudo isto me abala e me faz querer dormir para sempre. Que uma eternidade depois ainda não sei como lhe falar, uma eternidade depois e ainda não encontrei as palavras. Que vejo as paredes do castelo a ruir um bocadinho mais todos os dias e não sei se as consigo segurar sozinha. Que pensei já saber como lhe explicar isto que sinto, mas não sei, e quero tanto saber como explicá-lo alguém, a ele principalmente. Que não sei mais o que fazer, como tentar ainda mais ou que caminhos hei de tomar. Sei sim que isto que sinto não vai embora, não me deixa dormir, não me deixa ser feliz e não me deixa ama-lo como quero. Sei que isto que sinto me consome cada vez mais a cada dia e que não o consigo evitar, mas que quero confiar nele, quero contar-lhe, quero deixá-lo apoiar-me e deixar que lá esteja para mim, mas não sei como. Uma eternidade depois, ainda não sei como. Quem me dera que ele soubesse o quanto eu desejei ter-lhe dito tudo. Mas não disse e, como em todas as outras vezes, eu chorei em silêncio, abraçada a ele. E agora não há nada a fazer, já não consigo reconstruir o castelo por mais que tente.




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